Proto Evangelho de Tiago

Natividade de Maria

Natividade-de-Nossa-Senhora“Este é um Livro APÓCRIFO: em grego apókryphos, quer dizer oculto. Tal era o livro não lido em assembleia pública de culto, mas reservado à leitura particular. Apócrifo opõe-se ao canónico, pois canônico era livro lido no culto público, porque considerado Palavra de Deus inspirada aos homens.

Apócrifo não tem necessariamente sentido pejorativo. É simplesmente o texto que, por um motivo qualquer, não era de uso público, mas pode conter verdades históricas”. (Curso Bíblico – Mater Ecclesiae).

Este escrito (Proto Evangelho de Tiago) também foi chamado de ¨Natividade de Maria¨. Não se sabe quem foi o seu autor, certamente não foi São Tiago, embora use o seu nome. É provavelmente um escrito do primeiro século, e gozou de grande estima entre os primeiros cristãos, como S. Clemente de Alexandria, São Justino, Orígenes, etc. Muito influenciou na Liturgia e na Mariologia da Igreja.

Começa com o nascimento de Maria Santíssima, sua consagração no Templo, o casamento com José, a concepção de Jesus, a visita dos Reis Magos e a perseguição e matança das crianças inocentes. Fala dos nomes dos pais de Maria: Joaquim (I,1) e Ana (II,1), que era estéril); fala da consagração de Maria no Templo aos 3 anos de idade (VII,2) e lá fica até completar os 12 anos (VIII,2); fala de José escolhido para ser o esposo de Maria (IX,1), embora já velho, com filhos e viúvo (IX,2); fala da anunciação do Arcanjo Gabriel;(XI); fala da visita de Maria a sua parente Isabel (XII); fala do parto de Maria numa caverna e uma parteira é chamada para os serviços de parto (XVIII,1); fala que Maria permanece virgem mesmo após o parto de Jesus (XIX e XX); fala da visita dos Magos, fala da matança de Herodes às crianças.

I

1. Conforme as memórias das Doze Tribos de Israel, existia um homem riquíssimo chamado Joaquim. Suas oferendas eram sempre em dobro e dizia: ¨A sobra ofereço para todo o povoado e o que devo ofereço ao Senhor, para expiar os meus pecados e conquistar-Lhe as boas graças¨.

2. Quando chegou a grande festa do Senhor, onde os filhos de Israel oferecem seus donativos, Rubem pôs-se diante de Joaquim e disse-lhe: ¨Como não geraste um rebento em Israel, não te é lícito oferecer donativos¨.

3. Então Joaquim mortificou-se e foi até os arquivos de Israel para consultar o censo genealógico para confirmar que teria sido o único no povoado que não tivera descendentes. Examinando os pergaminhos, certificou-se que todos os justos tiveram descendentes. Lembrou-se, então, que o Senhor dera ao patriarca Abraão, em seus últimos anos de vida, um filho: Isaac.

4. Joaquim ficou muito triste e não voltou para sua mulher, retirando-se para o deserto. Lá armou sua tenda e jejuou por 40 dias e 40 noites. Disse a si próprio: ¨Daqui não sairei, nem para comer ou beber, até que o Senhor meu Deus me visite. Sirvam as minhas orações por comida e bebida¨.

II

1. Ana, sua mulher, chorava e lamentava em dor: ¨Ficarei chorando a minha viuvez e a minha esterilidade¨.

2. Quando afinal chegou a grande festa do Senhor, Judite, sua criada, disse-lhe: ¨Até quando humilharás a alma? Eis que chegou a grande festa e não podes entristecer-te. Pega este véu com selo real que a dona da tecelagem me deu pois não posso usá-lo já que sou simples serva.¨

3. Disse-lhe Ana: ¨Afasta-te de mim pois nada fiz. O Senhor me humilhou o suficiente para que eu possa usá-lo. Acaso algum ímpio to deu para me fazerdes cúmplice do pecado?¨ Respondeu Judite: ¨Por que iria eu maldizer-te se o próprio Senhor já te amaldiçoou a não deixardes descendente em Israel?¨

4. Mesmo estando profundamente triste, Ana retirou seus trajes de luto, pôs o véu e os trajes de bodas. À hora nona, desceu ao jardim e foi passear. Então, assentou-se sob a sombra de um loureiro e orou ao Senhor: ¨Ó Deus dos nossos pais: ouvi-me e bendizei-me como fizeste com o ventre de Sara, que concebeu a Isaac¨.

III

1. E olhando para o céu, observou um ninho de passarinhos existente no loureiro. Voltou então a lamentar-se, dizendo: ¨Ai de mim! Por que nasci? Em que hora fui concebida? Vim ao mundo para ser terra maldita entre os filhos de Israel, pois me injuriam e me expulsam do Templo do Senhor.

2. Ai de mim! A que posso comparar-me? Certamente não posso me comparar às aves do céu porque elas fecundam na tua presença, ó Senhor. Ai de mim! A que posso comparar-me? Não posso comparar-me às feras da terra porque esses animais irracionais reproduzem-se diante dos teus olhos, ó Senhor.

3. Ai de mim! A que posso comparar-me? Certamente não posso me comparar sequer a estas águas porque também elas são férteis perante ti, Senhor. Ai de mim! A que posso comparar-me? Não posso ao menos comparar-me à terra porque ela é fecunda e produz frutos a seu tempo, bendizendo-te, ó Senhor¨.

IV

1. Eis que apareceu-lhe um anjo do Senhor e disse-lhe: ¨Ana, Ana! O Senhor ouviu as tuas preces. Eis que conceberás e darás à luz. Da tua família se falará por todo o mundo¨. Ana respondeu: ¨Glória ao Senhor, meu Deus! Se for-me dado menino ou menina, fruto de Sua bênção, ofertá-lo-ei ao Senhor e a Seu serviço estará por todos os dias de sua vida¨.

2. Então chegaram dois mensageiros com o seguinte recado para ela: ¨Joaquim, teu marido, voltou com todo o rebanho, pois um anjo veio até ele e disse-lhe: ´Joaquim, Joaquim! O Senhor ouviu as tuas preces. Ana, tua mulher, conceberá em seu ventre´¨.

3. Saindo Joaquim, ordenou que seus pastores trouxessem-lhe dez ovelhas imaculadas. Disse então: ¨Estas são para o Senhor¨. [Mandou trazer-lhe também] doze novilhas de leite. E disse: ¨Estas são para os sacerdotes e o Sinédrio¨. E mandou distribuir cem cabritos para todo o povoado.

4. Chegando Joaquim com seus rebanhos, Ana, que estava à porta, o viu; correu e atirou-se em seu pescoço, dizendo-lhe: ¨Agora percebo que o Senhor me bendisse abundantemente. Eu era viúva e deixei de sê-lo. Era estéril e agora conceberei em meu ventre¨. Nesse primeiro dia, Joaquim repousou em sua casa.

V

1. Ao ir, no dia seguinte, oferecer seus bens ao Senhor, disse para consigo mesmo: ¨Se vir o éfode do sacerdote, saberei que Deus me será favorável¨. Ao oferecer o sacrifício, notou o éfode do sacerdote, quando este estava próximo ao altar de Deus. Não encontrando qualquer pecado em sua consciência, disse: ¨Agora vi que o Senhor me perdoou todos os pecados¨. Joaquim desceu justificado do Templo e voltou para casa.

2. Cumprindo-se o tempo para Ana, concebeu no nono mês. E perguntou à parteira: ¨A quem dei à luz?¨ Respondeu a parteira: ¨A uma menina¨. Exclamou Ana: ¨Eis que minha alma foi exaltada!¨ E colocou a menina no berço. Quando se cumpriu o tempo definido pela Lei, Ana purificou-se e deu de mamar à menina. E pôs-lhe o nome de Maria.

VI

1. A menina se fortalecia a cada dia que passava. Quando atingiu os seis meses, sua mãe a colocou no chão para ver se conseguia ficar de pé. Ela andou sete passos e voltou para o colo de sua mãe. Pegando-a, disse [Ana]: ¨Glória ao Senhor! Não andarás mais nesse chão até que eu te apresente ao Templo do Senhor¨. Fazendo um oratório em casa, não permitia que nada de vulgar ou impuro se lhe tocassem nas mãos [de Maria]. Convocou também algumas meninas hebreias, todas virgens, para brincarem com ela.

2. Completando a menina seu primeiro ano, ofereceu Joaquim um grandioso banquete. Convidou os sacerdotes, os escribas, o Sinédrio e todo o povo de Israel. Apresentando a menina, os sacerdotes a abençoaram com estas palavras: ¨Ó Deus de nossos pais: bendiz esta menina e que seu nome seja glorioso e eterno por todas as gerações¨. O povo todo respondeu: ¨Amém, amém, amém¨. Joaquim também apresentou a menina aos príncipes e [sumos] sacerdotes que a abençoaram assim: ¨Ó Deus altíssimo: volta teus olhos para esta menina e conceda-lhe uma bênção perfeita, não lhe sendo necessária qualquer outra [bênção] no futuro¨.

3. Sua mãe levou-a para o oratório e deu-lhe de mamar. Entoou então um hino ao Senhor Deus: ¨Farei um cântico ao Senhor, meu Deus, porque me visitou / Afastou de mim as injúrias dos inimigos e me deu um fruto santo que é único e múltiplo a Seus olhos / Quem levará aos filhos de Rubem a notícia de que Ana amamentou? / Ouvi! Ouvi, ó Doze Tribos de Israel! Ana está amamentando!” E deixando a menina repousar na câmara existente no oratório, saiu e passou a servir os convidados; terminada a ceia, [os convidados] saíram alegres e louvando ao Deus de Israel.

VII

1. Os meses foram passando para a menina e quando ela completou dois anos, Joaquim disse a Ana: ¨Vamos levá-la ao Templo do Senhor para cumprirmos a promessa que fizemos, para que o Senhor não reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a seus olhos¨. Ana respondeu: ¨Vamos esperar que ela complete três anos, para que não venha sentir saudade de nós¨. E Joaquim respondeu: ¨Vamos aguardar¨.

2. Quando completou três anos, Joaquim disse: ¨Chame as meninas hebreias, virgens, e que, duas a duas, tomem uma lâmpada acesa para que a menina [Maria] não olhe para trás e seu coração se prenda por algo fora do Templo de Deus¨. E assim foi feito e subiram ao Templo do Senhor. Então o sacerdote a recebeu, a beijou e abençoou-a. E disse [à Maria]: ¨O Senhor engrandeceu o teu nome diante de todas as gerações. No final dos tempos, manifestará em ti Sua redenção aos filhos de Israel¨.

3. Então fez [Maria] sentar-se no terceiro degrau do altar e o Senhor derramou Sua graça sobre ela. Ela dançou e cativou toda a casa de Israel.

VIII

1. Então seus pais foram embora cheios de admiração e louvaram ao Senhor porque a menina não olhou para trás. E Maria passou a ficar no Templo como uma pequena pomba, recebendo seu sustento das mãos de um anjo.

2. Entretanto, quando completou doze anos, os sacerdotes se reuniram e disseram: ¨Maria atingiu os doze anos no Templo. O que devemos fazer para que ela não macule o Santuário?¨ Então disseram ao sumo sacerdote: ¨O altar está a tua disposição. Entra e ora por ela pois o que o Senhor te revelar, isso será o que deveremos fazer¨.

3. O sumo sacerdote colocou então o manto com as doze sinetas, adentrou ao santo dos santos e orou por ela. Mas eis que um anjo do Senhor lhe apareceu e disse: ¨Zacarias, Zacarias! Sai e chama todos os viúvos do povoado; que cada um traga um bastão e a quem o Senhor mostrar um sinal, este será o seu esposo¨. Então os mensageiros percorreram toda a Judéia e se apresentaram ao soar da trombeta.

IX

1. José separou seu bastão e se reuniu aos demais [viúvos]. Então cada um pegou seu bastão e foram procurar o sumo sacerdote. Este pegou todos os bastões e, adentrando ao Templo, pôs-se a orar. Ao concluir as orações, pegou os bastões e devolveu-os aos seus respectivos donos, mas em nenhum deles manifestou sinal algum. Contudo, quando José pegou o último bastão, uma pomba saiu dele e pôs-se a sobrevoar-lhe a cabeça. Então o sacerdote disse: ¨A ti caberá receber sob teu teto a Virgem do Senhor¨.

2. Mas José respondeu: ¨Tenho filhos e já estou avançado na idade; ela, porém, ainda é uma menina. Não quero ser zombado pelos filhos de Israel¨. Então argumentou o sacerdote: ¨Tema ao Senhor, teu Deus, e recorde do que Ele fez com Datã, Abiron e Coret: a terra se abriu e eles foram enterrados em virtude de sua rebelião. Tema também tu agora, José, para que o mesmo não aconteça à tua casa¨.

3. Então ele, cheio de temor, recebeu [Maria] sob seu teto. Depois disse-lhe: ¨Tomei-te do Templo e deixo-te agora na minha casa, mas prosseguirei as minhas obras. Voltarei em breve, mas o Senhor te protegerá¨.

X

1. Os sacerdotes se reuniram e decidiram fazer um véu para o Templo do Senhor. O sacerdote disse: ¨Chama as moças imaculadas da Tribo de Davi¨. Os ministros saíram e após procurarem, encontraram sete virgens. Então o sacerdote recordou-se de Maria e os mensageiros a buscaram.

2. Depois que foram levadas para dentro do Templo, disse o sacerdote: ¨Vejamos quem bordará o ouro e o amianto, o linho e a seda, o zircão, e o escarlate e a púrpura real¨. O escarlate e a púrpura real couberam a Maria; esta as tomou e levou para sua casa. Nessa época, Zacarias ficou mudo e foi substituído por Samuel até que recuperasse a voz. Maria tomou o escarlate em mãos e pôs-se a tecê-lo.

XI

1. Um dia, Maria tomou um cântaro para enchê-lo de água. Mas ouviu uma voz que lhe dizia: ¨Salve, cheia de graça! O Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres¨. Então ela olhou ao seu redor, à direita e à esquerda, para ver de onde provinha aquela voz. Amedrontada, fugiu para sua casa e abandonou ali mesmo a ânfora. Pegou a púrpura, sentou-se e voltou a tecê-la.

2. Porém, um anjo de Senhor apareceu à sua frente e disse: ¨Não temas, ó Maria! Alcançaste graça diante do Senhor Todo-Poderoso e conceberás por Sua graça¨. Ela, ao ouvi-lo, ficou admirada e disse consigo mesma: ¨Conceberei por graça do Deus vivo e darei à luz como as demais mulheres?¨

3. Respondeu-lhe o anjo: ¨Não, Maria, pois a graça do Senhor te cobrirá com Sua sombra e o santo fruto que nascerá de ti será chamado Filho do Altíssimo. Deverás chamá-lo ´Jesus´ porque Ele salvará seu povo das iniqüidades’. Então Maria disse: ¨Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim conforme a sua palavra”.

XII

1. Terminado o trabalho com a púrpura e o escarlate, [Maria] levou-o ao sacerdote, que a abençoou assim: ¨Maria: o Senhor enalteceu o teu nome! Serás bendita entre todas as gerações da terra¨.

2. Radiante de alegria, Maria se dirigiu à casa de sua parente, chamada Isabel, e chamou-a da porta. Ao escutá-la, Isabel deixou o escarlate e correu para a porta. Abrindo [a porta] e vendo Maria, louvou-a dizendo: ¨Quem sou para que a mãe do meu Senhor venha até minha casa? O fruto do meu ventre pôs-se a pular dentro de mim para bendizer-te¨. Como Maria se esquecera das palavras do anjo Gabriel, elevou os olhos ao céu e disse: ¨Quem sou eu, Senhor, para que todas as gerações me bendigam?¨

3. E ficou durante três meses na casa de Isabel. Como dia após dia seu ventre crescia, ficou preocupada e pôs-se a caminho de casa. Ficava escondida dos filhos de Israel e possuía dezesseis anos quando estas coisas aconteceram.

XIII

1. Quando Maria atingiu o sexto mês de gravidez, José retornou de suas obras e, ao chegar em casa, percebeu que ela estava grávida. Então bateu em seu próprio rosto e atirou-se no chão, sobre uma manta, chorando amargamente: ¨Como me apresentarei ao Senhor? Como orarei por esta menina que recebi virgem do Templo do Senhor e que não soube vigiar? Acaso o que ocorreu com Adão ocorreu também comigo? Pois enquanto Adão orava veio a serpente e, vendo Eva sozinha, a enganou… Teria o mesmo ocorrido comigo?¨

2. Então José se levantou e chamou Maria. Disse-lhe: ¨O que fizeste, tu que eras a predileta de Deus? Como tiveste coragem de fazer isso? Esqueceste do teu Deus? Como manchaste a tua alma, tu que foste criada no santo dos santos, recebendo o sustento das mãos do anjo?¨

3. Ela chorou amargamente e disse: ¨Permaneço pura pois não conheço varão¨. Respondeu José: ¨Então de onde vem o que carregas em teu seio?¨. Respondeu Maria: ¨Juro pelo Senhor, meu Deus, que não sei como isto se sucedeu”.

XIV

1. Então José ficou muito preocupado e deixou Maria, pensando o que deveria fazer com ela. Disse para si mesmo: ¨Se omito o seu erro, estarei contra a Lei do Senhor… Se a denuncio ao povo de Israel e o que lhe aconteceu foi devido à intervenção de anjos, estarei condenando uma inocente à morte. O que farei? Irei mandá-la embora às escondidas…¨ E logo veio a noite.

2. Mas um anjo do Senhor apareceu-lhe em sonho e disse-lhe: ¨Não se preocupe com esta menina. O que ela traz em seu ventre é devido ao Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e colocar-lhe-ás o nome de ´Jesus´, porque Ele salvará seu povo do pecado¨. Levantando-se, José glorificou ao Deus de Israel por conceder tamanha graça e continuou com Maria.

XV

1. Entretanto, Anás, o escriba, veio até sua casa e lhe disse: ¨Por que deixaste de comparecer à reunião?¨ Respondeu José: ¨Estava exausto da viagem e resolvi descansar o primeiro dia¨. Virando-se, Anás percebeu a gravidez de Maria.

2. Então correu até o sacerdote e disse-lhe: ¨José cometeu falta grave e tu respondes por ele¨. Perguntou o sumo sacerdote: ¨O que estás dizendo?¨. Respondeu Anás: ¨Ele violou a virgem que recebeu do Templo de Deus e fraudou seu casamento, não o declarando ao povo de Israel¨. Disse o sacerdote: ¨Estás certo de que realmente José fez isso?¨ Respondeu Anás: ¨Manda a comissão e confirmará a gravidez da menina¨. Então os enviados saíram e encontraram [Maria] tal como Anás dissera. E a levaram ao Tribunal, juntamente com José.

3. O sacerdote tomou a palavra e disse: ¨Por que fizeste isso, Maria? Por que manchaste tua alma, esquecendo do Senhor, teu Deus? Tu, que foste criada no santo dos santos e recebias o sustento das mãos do anjo, que ouviste os hinos e dançaste diante de Deus: por que fizeste isso?¨ Ela passou a chorar amargamente e disse: ¨Juro pelo Senhor, meu Deus, que permaneço pura diante Dele! Não conheci varão algum!¨

4. Então o sacerdote disse a José: ¨Por que fizeste isso?¨ Respondeu José: ¨Juro pelo Senhor, meu Deus, que permaneço puro perante ela¨. Esbravejou o sacerdote: ¨Não jures em falso! Fala a verdade: fraudaste o teu matrimônio, não o declarando ao povo de Israel; e não inclinaste tua cabeça sob o braço forte de Deus, que bendisse a tua descendência¨. E José se calou.

XVI

1. O sacerdote disse [a José]: ¨Devolve a virgem que recebeste do Templo de Deus¨. Os olhos de José encheram-se de lágrimas. O sacerdote disse ainda: ¨Bebereis da água da prova do Senhor e esta te mostrará aos olhos os teus pecados¨.

2. E fez José beber a água e o enviou para a montanha. Porém, retornou são e salvo. Fez o mesmo com Maria, enviando-a também para a montanha. Também ela retornou sã e salva. Então a cidade toda se admirou, por não encontrar pecado neles.

3. Disse o sacerdote: ¨Visto que o Senhor não indicou o vosso pecado, também eu não vos condenarei¨. A seguir, os liberou. José tomou Maria e a levou de volta para sua casa, alegre e louvando a Deus de Israel.

XVII

1. Chegou, então, uma ordem do imperador Augusto, obrigando que todos os habitantes de Belém da Judéia participassem do censo. Disse José: ¨Posso recensear os meus filhos, mas e esta menina? O que informarei no censo? Que é minha esposa? É vergonhoso. Que é minha filha? Todos os filhos de Israel sabem que não é. Faça-se a vontade do Senhor, pois este é o seu dia¨.

2. Colocou a sela na jumenta e acomodou Maria sobre ela. Um de seus filhos ia conduzindo o animal pelo cabresto enquanto José simplesmente os acompanhava. Ao chegarem a três milhas [de Belém], José notou que Maria estava triste e disse a si mesmo: ¨Deve ser porque a gravidez a incomoda¨. Olhando novamente, porém, viu que ela sorria e disse-lhe: ¨Maria: o que está acontecendo? Às vezes te vejo triste, outras sorridente…¨ Ela respondeu: ¨Dois povos foram-me apresentados aos olhos: um que chora e se desespera; e outro que se alegra e rejubila¨.

3. Atingindo a metade do caminho, Maria disse a José: ¨Desça-me porque o fruto de meu ventre anseia por vir à luz¨. Então [José] ajudou-a a descer da jumenta e disse-lhe: ¨Para onde te levarei para esconder a tua nudez, uma vez que nos encontramos em campo aberto?¨

XVIII

1. Descobrindo uma caverna, conduziu-a para dentro e a deixou com seus filhos enquanto se dirigiu para Belém a fim de buscar uma parteira hebreia.

2. E eu, José, andava, mas não avançava; olhei para o espaço e o ar parece-me assombroso; olhei para o céu e tudo estava parado, inclusive os pássaros do céu; olhei para a terra e vi um vasilhame no chão e uns trabalhadores sentados, como se estivessem comendo já que suas mãos estavam sobre o vasilhame; porém, embora parecessem comer, não mastigavam e quem parecia pegar a comida, não a retirava do prato e, ainda, os que pareciam levar os manjares à boca, não o faziam porque olhavam para o alto. Havia também ovelhas sendo capturadas, mas não fugiam e o pastor levantou seu cajado para bater-lhes, porém, manteve sua mão no ar. Então olhei para o rio e notei que os cabritos punham seus focinhos nele, mas não bebiam da água. Por certo tempo tudo parou.

XIX

1. Então a mulher que descia a montanha me perguntou: ¨Onde vais?¨ Respondi: ¨Procuro por uma parteira hebreia¨. Ela disse: ¨Sois de Israel?¨ Respondi: ¨Sim¨. Então ela disse: ¨Quem está dando à luz na caverna?¨ Disse-lhe: ¨Minha esposa¨. Ela replicou: ¨Mas não é tua mulher?¨ Respondi-lhe: ¨É Maria: aquela que foi criada no Templo do Senhor. De fato, foi-me dada por mulher, mas não o é, e agora concebe por obra do Espírito Santo¨. Disse a parteira: ¨Isso é verdade?¨ José respondeu: ¨Vinde e vede¨. Então a parteira foi com ele.

2. Chegando à caverna, pararam, pois estava coberta por uma nuvem luminosa. Disse a parteira: ¨Minha alma foi agraciada pois meus olhos viram coisas incríveis e a salvação para Israel nasceu!¨ Então a nuvem saiu da caverna e de dentro brilhou uma forte luz, de forma que nossos olhos não conseguiam ficar abertos. E [a luz] começou a diminuir e viu-se que o menino mamava no peito de sua mãe, Maria. E a parteira gritou: ¨Hoje é meu grande dia! Vi com os meus olhos um novo milagre¨.

3. E, saindo da gruta, veio ao seu encontro Salomé. Disse a parteira: ¨Salomé, Salomé! Preciso contar-lhe uma maravilha jamais vista: uma virgem deu à luz. Como sabes, isso é impossível para a natureza humana¨. Respondeu-lhe Salomé: ¨Pelo Senhor, meu Deus, não acreditarei enquanto não puder tocar os meus dedos em sua natureza para examinar-lhe¨.

XX

1. Então a parteira entrou [na caverna] e disse a Maria: ¨Prepara-te porque existe uma dúvida sobre ti entre nós¨. E Salomé pôs seu dedo na natureza [de Maria] e soltou um grande grito: ¨Ai de mim! Minha malícia e incredulidade são culpadas! Eis que minha mão foi carbonizada e desprendeu-se do meu corpo por tentar ao Deus vivo!¨

2. E, se ajoelhando diante de Deus, pediu: ¨Ó Deus de nossos pais: recorda-te de mim, pois sou descendente de Abraão, Isaac e Jacó! Não me tornes exemplo para os filhos de Israel! Cura-me para que possa continuar a me dedicar aos pobres, pois bem sabes, Senhor, que curava em teu Nome e recebia diretamente de Ti o meu salário¨.

3. Então um anjo do céu apareceu-lhe e disse: ¨Salomé, Salomé! Deus te ouviu! Toque o menino e terás alegria e prazer¨.

4. E Salomé se aproximou e pegou o menino. E disse: ¨Adoro-te porque nasceste para ser o Grandioso Rei de Israel¨. Sentiu-se, então, curada e pode sair em paz da caverna. E ouviu-se uma voz que dizia: ¨Salomé, Salomé! Não digas a ninguém as maravilhas que presenciaste até que o menino vá para Jerusalém¨.

XXI

1. E José partiu para a Judéia. Ocorreu então grande tumulto em Belém pois chegaram uns magos dizendo: ¨Onde está o Rei dos judeus recém-nascido, pois vimos sua estrela nascer no Oriente e viemos adorá-lo¨.

2. Ouvindo isto, Herodes ficou perturbado e enviou seus mensageiros aos magos. Convocou os príncipes e os sacerdotes e fez-lhes a pergunta: ¨O que está escrito sobre o Messias? Onde deverá nascer?¨ Eles responderam: ¨Em Belém da Judéia, conforme as Escrituras¨. Dispensou-os e perguntou aos magos: ¨Que sinal vistes indicando o nascimento desse rei?¨ Responderam os magos: ¨Um grande astro brilhou entre as demais estrelas de forma a ocultar-lhes [a luz]. Soubemos, então, que em Israel havia nascido um rei e viemos para adorá-lo¨. Disse Herodes: ¨Ide e buscai-o para que também eu possa adorá-lo¨.

3. Nesse mesmo instante a estrela que haviam visto no Oriente voltou a brilhar e foram guiados até a caverna; [e a estrela] parou sobre a entrada [da caverna]. Então os magos se aproximaram do menino e de sua mãe e ofertaram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra.

4. Porém, foram advertidos por um anjo para que não retornassem à Judéia e voltaram para suas terras por outro caminho.

XXII

1. Quando Herodes percebeu que fora enganado pelos magos, encheu-se de fúria e mandou que seus soldados assassinassem todos os meninos com menos de dois anos.

2. Chegando à Maria a notícia da matança das crianças, encheu-se de medo e, envolvendo seu filho em panos, colocou-o numa manjedoura.

3. Quando Isabel ficou sabendo que também procuravam sem filho João, pegou-o e foi para as montanhas, procurando esconderijo. Como não encontrava nenhum lugar ideal, em soluços orou em alta voz: ¨Ó Montanha de Deus: recebe em teu seio uma mãe com seu filho¨.

4. Nesse momento, a montanha se abriu para recebê-los. Uma grande luz os acompanhou, pois, um anjo do Senhor foi guardá-los.

XXIII

1. Como Herodes continua perseguindo João, mandou seus mensageiros interrogarem Zacarias: ¨Onde escondeste teu filho?¨ Mas ele respondeu: ¨Cuido do serviço de Deus e por isso estou sempre no Templo. Não sei onde se encontra meu filho¨.

2. Os mensageiros informaram o ocorrido a Herodes e ele, furioso, disse para si mesmo: ¨Provavelmente será seu filho que reinará em Israel¨. E enviou outro recado [a Zacarias]: ¨Diga-nos a verdade. Onde se encontra o teu filho? Do contrário, sabes muito bem que o teu sangue está sob as minhas mãos¨.

3. Mas Zacarias respondeu: ¨Então serei mártir do Senhor porque te atreves a derramar o meu sangue. Mas a minha alma será recolhida pelo Senhor já que uma vida inocente será ceifada no vestíbulo do santuário¨. E Zacarias foi assassinado quando veio a aurora, mas os filhos de Israel não perceberam o crime.

XXIV

1. Quando os sacerdotes se reuniram à hora da saudação notaram que Zacarias não veio ao encontro deles para abençoá-los, como era de costume. Ficaram, porém, esperando-o para saudá-lo na oração e para glorificar o Altíssimo.

2. Como demorava muito, passaram a ficar amedrontados. Um deles, tomando a iniciativa, entrou e viu sangue já coagulado ao lado do altar. Então ouviu uma voz que dizia: ¨Zacarias foi morto e seu sangue não deverá ser limpo até que chegue o vingador¨. Ao ouvir a voz, encheu-se de medo e saiu para contar aos sacerdotes.

3. Tomando coragem, estes entraram e testemunharam o ocorrido. Então os fundamentos do Templo rangeram e rasgaram as vestes de alto a baixo. Porém, o corpo [de Zacarias] não foi encontrado, mas apenas o sangue já coagulado. Cheios de medo, saíram e contaram a todo povo que Zacarias fora assassinado. E a notícia se espalhou por todas as tribos de Israel, que choraram e guardaram luto por três dias e três noites.

4. Terminado o tempo [de luto], os sacerdotes se reuniram para decidir quem ocuparia o lugar [de Zacarias]. A sorte caiu sobre Simeão, aquele que o Espírito Santo lhe dissera que não provaria a morte até que visse o Messias Encarnado.

XXV

1. E eu, Tiago, escrevi esta narrativa quando surgiu um grande tumulto em Jerusalém em virtude da morte de Herodes. Retiro-me para o deserto até que cesse o tumulto e glorifico ao Senhor, meu Deus, que me concedeu a graça e a sabedoria para escrever esta narração.

2. Que a graça esteja com todos os homens que temem a Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem deve ser dada glória por todos os séculos dos séculos. Amém.