O MENINO QUE TRAZ A ETERNIDADE

Mensagem de Fim de Ano para a Família Mariana.

Mensagem proferida na Missa de encerramento das atividades da Federação Mariana do Rio de Janeiro, em 07 de dezembro de 2014.

eternidade31Mais um Natal se aproxima e mais uma vez nos reunimos nessa casa para comemorarmos não só o nascimento do Menino Deus, mas também o encerramento de muitos trabalhos – árduos trabalhos. Vemos que mais um ano começa a se diluir no tempo, tempo esse que não espera ninguém… Isso talvez nos traga a seguinte indagação: Esse é um ano de vida a mais ou a menos? Confesso que não saberia responder essa indagação, mas talvez não seja preciso, pois o que move o mundo não são as respostas, mas a capacidade que temos de questionar a vida todos os dias.

Essa reflexão inicial deve, pelo menos por alguns segundos, nos colocar em pensamentos desconfortáveis ou um tanto caóticos. Pensar sobre o tempo nos leva também a pensar sobre a Eternidade… Eternidade! Todos nós queremos alcançá-la, embora tenhamos na mente a ideia de sempre adiar esse projeto. Talvez seja pelo fato de que a vida, mesmo com todas as intempéries, seja algo bom, algo pelo qual valha a pena ser lutado.

Madre Maria Helena Cavalcanti[1] em um dos seus sábios pensamentos nos ensina que “o tempo nos é dado para alcançarmos a Eternidade”. Eternidade… Essa palavra nos assusta às vezes, como à narradora de uma belíssima crônica de Clarice Lispector intitulada, justamente, “Medo da Eternidade” [2]. Nessa crônica, a Eternidade é comparada a um chiclete que com o tempo perde o gosto. Isso assusta a narradora, a desanima de querer a Eternidade.

Será que temos medo de que a Eternidade perca o gosto? Só nós podemos construir e alcançar nossa própria Eternidade, mas uma Eternidade sempre doce, sempre com gosto de chiclete novo! Com a licença das verdades teológicas, digo que essa Eternidade saborosa não se inicia no momento da morte. Muito pelo contrário!Ela se inicia na nossa vida terrestre, no dia-a-dia, no tempo que nos é dado, como aponta Madre Maria Helena.

Deixemos agora a Literatura e voltemos para o “aqui agora”. Estamos aproveitando nosso tempo para alcançar a Eternidade? Estamos nesse período de preparação e espera, que é o Advento, vivendo um verdadeiro espírito de renovação? Estamos preparando nosso coração para que fique como a gruta de Belém, despojado para acolher o Menino que vem e deseja nascer em nós no Natal? Também não quero respostas. Desejo apenas que olhemos para dentro e façamos uma análise da alma. Acredito que em muitas cabeças virá a figura de Fernando Mendes com sua voz inconfundível cantando “Não adianta ir a igreja rezar e fazer tudo errado” [3]. É verdade que o cantor era um tanto pessimista. Não fazemos tudo errado, mas, certamente, fazemos muita coisa errada.

Apesar disso, podemos, através de muito esforço, fazer e dar o nosso melhor. É nosso dever, por exemplo, testemunhar o verdadeiro sentido do Natal, que já vem há muito tempo sendo esvaziado do seu verdadeiro espírito. É preciso pensar menos em que roupa usar, em que pratos fazer, em onde comemorar e passarmos a refletir sobre a singela passagem na Sagrada Escritura que nos oferece a comovente verdade: “Deus amou o mundo de tal maneira que nos deu seu Filho Único para que todos que creiam Nele não pereçam, mas tenham a Vida Eterna.” ( Cf. Jo 3, 16).

Infelizmente, muitos de nós esquecemos desse simples e grandioso fato.Deus quis se fazer homem unicamente por amor, por desejar a nossa salvação. Mas a mentalidade capitalista nos leva a esquecer disso… Nos tempos atuais o que importa é TER e não SER. Como aponta Z. Bauman, vivemos numa sociedade líquida, onde tudo é efêmero. O que impera é o consumismo e o desperdício desenfreado [4].

Isso faz com que Deus seja, aos poucos, apagado de nossas vidas. “Matamos Deus! Deus está morto” [5] gritava Nietzsche no auge da Filosofia Niilista. De lá pra cá, pouca coisa mudou. Continuamos a matar Deus em nossas vidas. As vezes, nos preocupamos mais com qual marca de vinho comprar do que em reunir a família e rezar uma simples Pai-Nosso em agradecimento a Deus por, não só termos uma vida, mas também por termos condições financeiras, saúde e, sobretudo, ter uma boca para beber vinho.

Poderia continuar essa reflexão com minhas próprias palavras. Mas isso é desnecessário, já que encontro em outra voz aquilo que melhor explicita o que desejo falar. Por isso, trago as palavras de nosso Papa Emérito Bento XVI em sua Carta Apostólica Porta Fidei: É em Cristo que onde se “encontra plena realização a ânsia e anelo no coração humano. A alegria do amor, a resposta ao drama da tribulação e do sofrimento, a força do perdão diante da ofensa recebida e a vitória da ida sobre o vazio da morte, tudo isto encontra plena realização no mistério da Encarnação, do seu fazer-Se homem, da partilhar conosco a fragilidade humana para a transformar com a força da sua Ressurreição.” (Porta Fidei, 13) .

É para esse mistério de amor que devemos voltar nossos olhos. Como marianos, devemos nos espelhar na Santíssima Virgem, que baseava sua vida naquilo que é essencial: O AMOR DE DEUS. E como nos ensina o Pequeno Príncipe: “O essencial é invisível aos olhos.” [6]

Caminho agora para a conclusão deste texto, consciente de que me alonguei nas reflexões. Peço desculpas… Convido, novamente, as palavras de Madre Maria Helena Cavalcanti para concluir o diálogo, já que ela tem mais autoridade do que eu quando o assunto é a Encarnação do Verbo: “Ele (Jesus) veio trazendo Alegria, a Verdadeira Alegria: a que satisfaz sem extinguir o desejo, desabrocha e não fenece, contenta sem deixar remorsos; desaltera sem decepcionar, cresce sem envelhecer… Então? Como retribuiremos? Pagando amor com amor.”

OBRIGADO A TODOS.

Igor Gonçalves, CM Curupaiti.
Rio de janeiro, 07/12/2014
 

[1] Fundadora e Superiora da Congregação de Nossa Senhora de Belém.

[2] Cf. LISPECTOR, Clarice. Medo da Eternidade. In: As Cem Melhores Crônicas Brasileiras.  SANTOS, Joaquim Ferreira dos Santos, org. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.

[3]  Fernando Mendes, LP Compacto Sucessos, 1976.

[4] Cf. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo. A transformação das pessoas em mercadoria. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

[5] Cf Nietzsche, Friecrich. Gaia Ciência. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

[6] Saint-Exupéry, Antoine. O Pequeno Príncipe.  Rio de Janeiro: Agir, 2006.