Maria segundo a Tradição da Igreja

A Tradição é a fé da Igreja

EDUARDO CARIDADE

Partindo do Evangelho de São Marcos (8,11-13), com destaque a citação “Por que esta gente busca um sinal do céu? Eu vos asseguro que não lhe será dado nenhum sinal”.

Está Jesus, pregando ao povo. Fariseus e homens da Lei o observam, e o questionam com o pedido de um sinal, mas Jesus não é um mágico, que faz o que o pedem, mas, sim quer mostrar as virtudes do Reino de Deus. Os sinais, e muitos, já foram dados, e eles não percebem, da mesma forma não percebemos hoje, e ficamos também, esperando sinais.

A “Tradição” é mais que um sinal, pois é um dos pilares de nossa Igreja Católica, junto com a “Sagrada Escritura” e “Magistério”, três pilares, que se entrelaçam, dando solidez ao discurso de nossa fé.

Podemos dizer, que a “Tradição” é um tesouro. É a transmissão escrita e oral da doutrina revelada por Deus, através dos tempos e que alguns estudiosos, iluminados por Deus, com inteligência, foram costurando essa Doutrina, e no combate as heresias, nos levaram aos Dogmas de nossa fé (lembrando que os dogmas marianos são quatro). Desta forma, a Tradição, confirma a fé da Igreja, ou melhor, a Tradição é a fé da Igreja. Homens, estudiosos, alguns sofreram o martírio na luta, para defender, a ortodoxia da fé. Hoje, colhemos os frutos.

Na Carta Encíclica Redemptoris Mater  nº 31, o Santo João Paulo II, diz: “Os Padres gregos e a tradição bizantina, contemplando a Virgem Santíssima à luz do Verbo feito homem, procuram penetrar a profundidade daquele vínculo que une Maria, enquanto Mãe de Deus, a Cristo e à Igreja: ela é uma presença permanente em toda a amplidão do mistério salvífico”.

Atentem ao destaque, os “padres gregos” e de “Bizâncio”, contemplam Maria à Luz de Cristo e atestam a unidade de Maria, Cristo e Igreja. O que une é o Espírito de Deus, promovendo o amor entre as partes, o respeito, a obediência. É o Reino de Deus acontecendo.

Mas, a Mariologia, o saber sobre Maria, que nunca é tema central da teologia dos Padres da Igreja, mas, sempre subordinada à Cristologia (ao saber sobre Cristo) e Soteriologia (ao saber sobre a salvação da humanidade em Cristo), enfrenta problemas, que são as primeiras heresias, que são Cristológicas, mas tocam a Mariologia, indiretamente.

Podemos citar as principais heresias que mais diretamente afetam maternidade:

1) Docetismo (do grego δοκέω [dokeō], “para parecer”): acreditavam que o corpo de Jesus Cristo era uma ilusão, e que sua crucificação teria sido apenas aparente. Por esta afirmação a Maternidade é uma ficção.  Não existiam “docetas” enquanto seita ou religião específica, mas como uma corrente de pensamento que atravessou diversos estratos da Igreja. Esta doutrina é refutada com base no Evangelho de São João, onde no primeiro capítulo se afirma que “o Verbo se fez carne”.

2) Ebionismo (do hebraico אביונים, Evyonim, “pobres”): negavam a divindade de Jesus, aceitavam o Velho Testamento e rejeitavam o Novo, que substituíam por outro chamado Evangelho dos Ebionitas. Aceitam Jesus como o Cristo, mas não como filho de Deus, no sentido Trinitário. Não aceitam a Anunciação do anjo a Maria;

3) Gnósticos Valentinianos ((do grego Γνωστικισμóς; transl.: (gnostikismós); de Γνωσις (gnosis): ‘conhecimento’, (gnostikos): aquele que tem o conhecimento). Valentim ou Valentino (em latim: Valentinus; c. 100 – c. 160) foi por algum tempo o teólogo gnóstico do período do cristianismo primitivo de maior sucesso. Foi candidato a bispo e iniciou o seu grupo quando outro candidato foi eleito. Dizia: O corpo de Jesus é espiritual e celeste, formado pelo demiurgo no seio da virgem, o qual passou por Maria como água por um cano.

4) Marcião (†160): foi um dos mais proeminentes heresiarcas durante o Cristianismo primitivo. A sua teologia chamada marcionismo propunha dois deuses distintos, um no Antigo Testamento e outro no Novo Testamento, foi denunciada pelos Pais da Igreja e ele foi excomungado. Afirma, que Jesus não tem uma origem humana. Não nasce da Virgem Maria. Aparece no mundo, durante o reinado de Tibério César.

Todas estas heresias ainda se prolongam por dois séculos, e serão refutadas. Surge ainda um herege que será famoso, chama-se Celso, filósofo grego do século II, lembrado como opositor do Cristianismo. Sua obra “A Verdadeira Palavra” foi contestada por Orígenes, numa polêmica famosa, em sua obra “Contra Celsum”. Para Celso: Cristo teria nascido de uma união adúltera; Maria, apesar de casada com José, uniu-se a um certo soldado romano, chamado Panthera. Jesus era chamado bem-Panthera, ‘filho de Panthera’.

Mas, graças a fé ortodoxa de grandes homens, nossa Tradição foi sendo formada, onde o Magistério da Igreja se alimenta e atualiza a fé da Igreja, ancorada na Sagrada Escritura. Todos os documentos da Igreja, citam estes homens. Não há o que inventar, mas um voltar às fontes (Como exemplo o Concílio Vaticano II e documentos recentes do Papa Francisco).

Nesta ardorosa defesa da Fé, podemos destacar:

1) S. Inácio de Antioquia (Síria – †107): Discípulo de João, conheceu São Paulo e foi sucessor de Pedro na Igreja de Antioquia, foi condenado à morte no Coliseu, martirizado pelos leões. Dizia na sua Carta aos Efésios: “A verdade é que o nosso Deus, Jesus, o Ungido, foi concebido de Maria segundo a economia divina; nasceu da estirpe de Daví, mas também do Espírito Santo”;

2) Tertuliano (†220): nascido em Cartago (África), foi notável apologista cristão. Foi um dos primeiros a utilizar o termo Trindade, por nos dar a mais antiga exposição formal ainda existente sobre a teologia trinitária. No fim de sua vida se tornou montanista (se diziam profetas e que falavam pelo Espírito Santo).  Tertuliano acentua que Maria deu realmente à luz o Verbo Encarnado. Reconhece que ela era virgem quando concebeu, mas nega a virgindade de Maria no parto e após o parto, entende que os “irmãos de Jesus” são filhos de Maria;

3) S. Ambrósio de Milão (†397); se tornou um dos mais influentes membros do clero no século IV. Foi feito bispo de Milão por aclamação popular; era um fervoroso adversário do arianismo (que afirmava ser Cristo a essência intermediária entre a divindade e a humanidade, negava-lhe o caráter divino e ainda desacreditava a Santíssima Trindade). A sua mariologia, focada na virgindade de Maria e o papel dela como Mãe de Deus, influenciará os Papas da época e posteriormente São Leão Magno;

4) S. Agostinho de Hipona (†430): foi um dos mais importantes teólogos e filósofos dos primeiros anos do cristianismo, cujas obras foram muito influentes no desenvolvimento do cristianismo e filosofia ocidental. Embora Agostinho não tenha desenvolvido uma mariologia independente, suas afirmações sobre Maria ultrapassam em número e em quantidade as dos autores anteriores. Mesmo antes do Concílio de Éfeso, ele defendeu a sempre Virgem Maria como a “Mãe de Deus” e por causa de sua virgindade, é cheia de graça. Ele também afirmou que a Virgem Maria “concebeu virgem, deu à luz virgem e permaneceu virgem para sempre”;

5) S. Justino (†165): filósofo e teólogo, morreu mártir, O ponto central da apologética de Justino consiste em demonstrar que Jesus Cristo é o Logos do qual todos os filósofos falaram. Foi o primeiro a defender que Jesus nasceu duma virgem (Maria), e que descende do rei Davi;

6) S. Irineu de Lyon (†202): Foi bispo grego, teólogo e escritor cristão, lutou ferozmente contra a gnose valentiana. Desenvolve a teoria da recapitulação: “Mesmo Eva tendo Adão como marido, ela ainda era virgem … Ao desobedecer, Eva tornou-se a causa da morte para si e para toda a raça humana. Da mesma forma que Maria, embora tivesse um marido, ainda era virgem, e obedecendo, ela tornou-se causa de salvação para si e para toda a raça humana” (Adversus haereses 3,22);

7) Orígenes de Alexandria (†254): foi um teólogo, filósofo neoplatônico e é um dos Padres gregos. Seu pensamento chama bastante atenção no que diz respeito a virgindade de Maria, realça os olhos com que naturalidade afirma também a Imaculada Conceição de Maria: “Desposada com José, mas não carnalmente unida. A Mãe deste foi Mãe imaculada, Mãe incorrupta, Mãe intacta. A Mãe deste, de qual Este? A Mãe do Senhor, Unigênito de Deus, do Rei universal, do Salvador e Redentor de todos“. (Orígenes – Homilia inter collectas ex variis locis);

8) Santo Efrém, o Sírio (†373):   Foi declarado Doutor da Igreja pelo papa Bento XV em 1920. Entoou lindos Hinos Marianos e faz entrar no CREDO: … Que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria…;

9) As Odes de Salomão é uma coleção de quarenta e duas odes atribuídas à Salomão. Acredita-se que a língua original das Odes tenha sido o grego ou o siríaco. Onde, neste hinário cristão do início séc. II, nos diz sobre Maria: “O seio da Virgem concebeu e deu à luz...”;

10) Apócrifos, com destaque ao Proto-Evangelho de Tiago, que conta a história da vida de Maria, filha de um homem rico chamado Joaquim, casado há muitos anos com Ana. O casal era infeliz por não conseguir ter filhos – fato percebido pela cultura judaica como um castigo de Deus. Joaquim decidiu então jejuar no deserto por 40 dias e 40 noites, pedindo a intervenção divina. Pouco depois, um anjo apareceu a Ana e disse-lhe: “Conceberás e darás à luz, e de tua prole se falará em todo o mundo“;

11) S. Hilário de Poitier (†367): viveu na Gália, é Doutor da Igreja e grande estudioso da Trindade, onde defende a fórmula Jesus “consubstancial” ao Pai, contida no Credo. Sobre Maria, atesta a virgindade pós-parto, sem a qual não poderia justificar a Trindade;

12) Jerônimo de Stridon (†420): destacado como teólogo e historiador e considerado confessor e Doutor da Igreja pela Igreja Católica.  é mais conhecido por sua tradução da Bíblia para o latim (Vulgata). Defende ardentemente a virgindade de Maria no parto.

Homens e ideias determinantes e que provoca afirmações, nos dias de hoje, ao comparar a virgindade de Maria como figura da Igreja: “A Igreja, imitando a Mãe de Cristo, sendo virgem, a cada dia gera novos membros de Cristo”.

Tais afirmações se igualam a da maternidade divina, que antes do Séc. V raramente se encontra no Ocidente com o título de ‘Mãe de Deus’, aplicado a Maria. Pois o Primeiro Padre a usar o título ‘Theotókos’, foi o Patriarca do Concílio de Nicéia (325): Alexandre de Alexandria (†326). Depois, nos dirá S. Vicente de Lerins (†445): Maria é Theotókos porque em seu seio cumpriu-se o mistério, por uma especial unidade de pessoa, em modo único: É carne e é Deus.

Nestas citações é célebre a comparação Eva/Maria por Santo Agostinho: “Adão dorme para que nasça Eva; Cristo morre para que nasça a Igreja. Eva nasce da costela de Adão adormecido, a Igreja do lado de Cristo morto, traspassado para que brotassem os sacramentos”.

Tema latente neste período, também, será sobre a Santidade de Maria: Antes do Séc. IV nada se conhecia sobre o tema; pois o Dogma “Maria, Mãe de Deus”, não estava definido, somente em 431 – no Concílio de Éfeso, teremos esta afirmação, porque antes a prioridade era combater as heresias cristológicas.

Quando falamos que Maria é Santa, podemos argumentar que foi sua Consagração a Deus, sua adesão total a Aliança na Plenitude dos Tempos, que a fez grávida de Cristo, gerando n’Ela, a partir da escolha uma missão particular (separação). Santo, é aquele que está “separado”, podemos ver em Maria, seu modo de agir, especialmente seu silêncio, como dádiva da opção de estar grávida de Deus, foi a escolhida para ser nossa evangelizadora.

Cabe lembrar, também, como meio de Tradição o Hino Akathistos (que literalmente significa “estando de pé”), porque se canta nesta posição; é o hino mariano mais famoso do Oriente cristão, como se fosse o nosso Ofício de Nossa Senhora, que celebra o Mistério da Mãe de Deus e, possivelmente, de toda a Igreja.

Como vimos, ao longo da Tradição, dois dogmas, fizeram parte destes primeiros séculos da Igreja: 1) Maria, Mãe de Deus (Theotókos) – Concílio de Éfeso (431); 2) Virgindade de Maria, em 451 no Concílio de Calcedônia, foi declarado que Jesus é nascido da Virgem Maria; depois em 553, o Concílio de Constantinopla II confirmou: “Encarnou-se da gloriosa Mãe de Deus e sempre Virgem Maria”. Depois atestado pelo Concílio de Latrão, no ano de 649 e referendado pela Bula “Cum quorumdam hominum”, de 1555, assinada pelo Papa Paulo IV, afirmando que “Maria é sempre Virgem, antes do parto, no parto e depois do parto”.

Dois dogmas vieram mais tarde: 3) Imaculada Conceição, onde nos aponta Maria toda santa, toda de Deus, protótipo do que somos chamados a ser. Foi proclamado pela Bula “Ineffabilis Deus”, pelo Papa Pio IX, no ano de 1854 e 4) Maria, Assunta aos céus, pela Constituição Apostólica “Munificentissimus Deus”, proclamada pelo Papa Pio XII, no ano de 1950.

O Santo João Paulo II na Carta Encíclica Redemptoris Mater, nº 41, nos presenteia com a afirmação: “Maria, a Plenitude redimida”, onde “No mistério da Assunção, exprime-se a fé da Igreja, segundo a qual Maria está ‘unida por um vínculo estreito e indiscutível’ a Cristo, pois, se já como Mãe Virgem estava a ele singularmente unida na sua primeira vinda, pela sua contínua cooperação com ele o estará também na expectativa da segunda: ‘Remida de um modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu Filho’, ela tem o papel próprio da Mãe, de medianeira de clemência na vinda definitiva”.

Sim, unidade entre a “primeira vinda” e a “segunda”, não pelos méritos de Maria, mas pelos méritos de Cristo, mostrando que todos os dogmas marianos são méritos de Cristo, fazendo de Maria, nossa medianeira do todas as graças.

Este tema, é intenso e há que ser aprofundado e faz parte de uma trilogia dos estudos Marianos: a) Maria na Sagrada Escritura, b) Maria na Tradição e c) Maria na Devoção Popular, onde uma complementa a outra, O congregado mariano, sempre deve estar pronto, deve ter sua vida pautada na vida de Maria, já que a Ela é consagrado. O congregado deve querer se aprofundar, estudar, crescer com Maria, buscando a santidade. Sede Santos!